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Não havia tempo a perder
24.09.2004

Em 1966, convidado pelo Reitor Onofre Lopes, fui trabalhar como médico/professor no CRUTAC, em Santa Cruz - RN, a fim de prestar assistência médica à população e supervisionar o estágio obrigatório dos concluintes de medicina, naquele pioneiro programa de extensão universitária. Formado há pouco tempo, recebi o convite exultante de alegria, pois ali estava a oportunidade para o exercício pleno da minha sonhada missão profissional. Nos primeiros meses do CRUTAC, o médico de plantão no Hospital Ana Bezerra ficava sozinho, nos finais de semana, pois os estudantes e os outros profissionais de saúde trabalhavam até o sábado pela manhã. Nesses plantões eram atendidos os doentes internados, além das urgências gerais e de obstetrícia. A equipe constituía-se do médico, uma parteira, do motorista da ambulância e de poucos auxiliares de enfermagem. Não havia Banco de Sangue no Hospital e, em uma das minhas visitas ao Hospital das Clínicas, hoje Hospital Onofre Lopes, solicitei material necessário para coleta e realização de uma transfusão de sangue, como se estivesse adivinhando o que iria acontecer. Pois bem, estava eu iniciando, sábado à tarde, um desses plantões de final de semana, quando chega uma paciente com séria hemorragia, proveniente de um processo de abortamento incompleto. A paciente já estava em estado de choque, palidez acentuada, sudorese, pressão quase zero. Para fazer a curetagem e parar o sangramento, seria necessário melhorar as condições gerais, o que não consegui com os expansores plasmáticos disponíveis. Lembrei-me, então, do material de transfusão trazido do Hospital das Clínicas e, após classificar o sangue da paciente, procurei doador entre os circunstantes, mas não obtive êxito. A doação de sangue era prática desconhecida, até mesmo temida. Disseram-me, depois, que o motorista da ambulância, ao ser convidado para classificar o sangue, saiu correndo em disparada. Não havia tempo a perder, a decisão foi tomada: o próprio médico, cujo sangue era compatível, seria o doador. Mas surgiu outro obstáculo: quem faria a coleta? Rapidamente, ensinei à parteira Emília (hoje aposentada da UFRN) os procedimentos para a retirada de 500ml do meu sangue. Dona Emília foi hábil nos procedimentos e, terminada a coleta, levantei-me sem demora e fiz a transfusão com rapidez porque cada minuto era precioso para a sobrevivência da paciente. Com isso, o quadro clínico apresentou pequena melhora, o que permitiu fazer a curetagem. Poucos dias depois, a paciente recebeu alta, recuperada, voltando para casa a fim de cuidar dos seus dois filhos. Permaneci do sábado até a segunda-feira pela manhã no Plantão, o qual, como para provar minha resistência, foi dos mais movimentados, dia e noite. Apesar dos saudáveis 27 anos, pude perceber, ao entregar o Plantão, que havia batido às portas dos meus limites. É bom ressaltar que na época, quase 40 anos atrás, as transfusões eram precedidas somente da classificação do grupo sangüíneo. Também, não havia outra saída, a decisão tinha de ser rápida e as ações tinham que ser de extrema eficácia, não poderiam falhar, sob pena de se perder uma vida. É hábito se dizer: “Arrependo-me, principalmente, não do que fiz, mas daquilo que poderia ter feito e que deixei de fazer”. Pois bem, neste caso, eu não guardo esse arrependimento. Ao contrário, guardo o sentimento de que, sem hesitar, tomei uma decisão certa, na hora certa. Semelhante experiência, pouco freqüente no dia-a-dia de um médico, serve para mostrar que não se deve perder a oportunidade de ser útil em qualquer circunstância.

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